AUGUSTO DE SAINT-HILAIRE

Botânico francês: 1779-1853. Obras: Viagens as nascentes do Rio São Francisco e pela Província de Goiás; Viagem pelo Distrito dos diamantes e litoral do Brasil; Segunda viagem do Rio de Janeiro Minas Gerais e São Paulo. Esteve em São João del-Rei em 1819 e, duas vezes, em 1822.

Crítica: "Nenhum outro estrangeiro ilustre falou da terra e da gente brasileira com mais simpatia, nenhum foi mais minucioso e sagaz; nenhum mais preocupado de exatidão e veracidade; nenhum mais comedido e benévolo. Entusiasta da terra mineira usa sempre de ponderação e indulgência na apreciação das coisas de Minas, não perdendo a ocasião de acentuar a hospitalidade e a polidez dos mineiros que considerava superiores aos outros brasileiros" (Eduardo Frieiro).

Por volta das cinco horas a procissão entrou na rua onde morava o pároco. A frente vinham três mulatos trajando túnicas cinzentas, semelhantes aos trajes com que se apresentam, em nossas óperas, os gênios do Mal. Um deles levava uma grande cruz de madeira e os outros dois seguravam, cada um, um longo bastão com uma lanterna na ponta. Imediatamente atrás deles vinha um outro personagem, vestido com um traje muito justo, de tecido amarelado, no qual haviam sido desenhados com tinta negra os ossos que compõem o esqueleto. Esse personagem representava a Morte, e em meio a grandes palhaçadas fingia golpear os passantes com uma foice de papelão. A uma regular distância do primeiro grupo vinha outro, precedido de um homem trajando um manto cinzento e trazendo um punhado de cinzas sobre uma bandeja. Ia de um lado a outro da rua como que tentando marcar com elas a testa dos espectadores. Os personagens que o seguiam eram uma mulher branca e cheia de atavios e um outro homem de manto cinza levando na mão um ramo de árvore carregado de maçãs, no qual tinha sido enrolada uma figura representando uma serpente. O homem representava Adão e a mulher, que fazia o papel de Eva, fingia colher de vez em quando uma maçã. Atrás deles vinham dois meninos. Um, representando Abel, fiava um pedaço de pano de algodão e o outro dava golpes no chão com uma enxada, como se cavasse a terra. Esses dois grupos foram seguidos por treze andores carregados pelos irmãos da Confraria de S. Francisco. Em cima dos andores viam-se imagens de madeira em tamanho natural, pintadas e vestidas com roupas de verdade. Os treze andores seguiam em fila e a uma distância considerável uns dos outros. Num deles vinha Jesus orando no Jardim das Oliveiras, e noutro Santa Madalena e a bem-aventurada Margarida de Cortone, ambas de cabelos soltos e trajando mantos de um tecido cinzento. No terceiro estava S. Luís, Rei da França e no quarto o bem-aventurado Yves, bispo de Chartres. A Virgem, em toda a sua glória, cercada de nuvens e querubins, também estava presente em um dos andores. Outra imagem representava S. Francisco recebendo do Papa a aprovação dos estatutos de sua ordem, e em outro grupo encenavase o milagre dos estigmas. Finalmente, via-se S. Francisco sendo beijado por Jesus Cristo. Essa série de imagens era, sem dúvida, extremamente bizarra. Não obstante, o mau gosto ressaltava mais no conjunto do que nos detalhes. As roupagens condiziam bem com os personagens que as vestiam, as cores eram vivas, e não se podia deixar de reconhecer que as figuras eram esculpidas com bastante arte, levando-se em conta que tinham sido feitas por pessoas do próprio lugar, que não dispunham de modelos adequados. O que havia talvez de mais ridículo na procissão eram os meninos de raça branca, vestidos de anjo, que acompanhavam cada andor. As sedas, os bordados, as gazes e as fitas eram usados com tal profusão em seus trajes que eles mal podiam caminhar, embaraçados por tantos arrebiques. Uma espécie de tiara, composta de gaze e de fitas, encobria quase que inteiramente suas cabeças. Vestiam saias-balão bem armadas, de mais de um metro de diâmetro, e em seus corpetes de gaze plissada estavam presas, além de uma profusão de fitas, pelo menos uma meia dúzia de enormes asas recobertas de gaze. Após a passagem dos andores surgiu um grupo de músicos, os quais cantaram um motete à porta da casa do vigário. Em seguida veio o padre com o Santo Sacramento, e finalmente o povo fechando a marcha. A passagem de cada andor todos os assistentes faziam uma genuflexão, mas logo em seguida punham-se a conversar despreocupadamente com os vizinhos. Havia anos que não se realizava a Procissão das Cinzas, e não se podia deixar de achar um certo encanto nessa cerimônia irreverente, em que ridículas palhaçadas se misturavam com o que a religião católica tem de mais respeitável". (Viagem ás nascentes do Rio São Francisco. Trad. de Regina Régis Junqueira. Belo Horizonte: Itatiaia, 1975. p. 64).


Texto retirado do livro "Santos Negros e Estrangeiros" de Antônio Gaio Sobrinho.

- 135 -

Críticas e Dúvidas

Voltar para Celebridades
Voltar para a última página visitada